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PEDRO

 

 

A camisa de Pedro estava jogada do lado esquerdo do sofá. Sua calça estava no chão da sala assim como suas meias e os sapatos. Sua cueca ainda preservada em seu corpo, mas não protegia mais seu órgão genital e sim suas pernas.

Os movimentos de cabeça seguiam rapidamente.

Pedro podia sentir a língua do garoto envolver seu órgão maliciosamente e brincar com sua glande. A sensação era ótima, fazia com que seu corpo estremecesse todo, subia calafrios de prazer e suas pernas estavam rijas como tábuas.

O cabelo desgrenhado do menino ocultava seu rosto, mas Pedro sabia como ele era. Naquela face rosada havia dois lindos olhos pretos como jabuticabas, uma boca pequena e vermelha como maça, nariz grande e pontudo e algumas sardas, do jeito que Pedro adorava. Os cabelos eram longos e cacheados. A boca era muito quente.

Continuou deitado no sofá enquanto o menino seguia com as caricias em seu corpo.

Em um breve momento recobrou a consciência e de uma maneira inusitada relembrou de como ele o conheceu. Sorriu, pois não era o momento ideal para tal recordação. Não se importou. Já estava ali. Nada mais importava do que aquele momento. Mas a imagem do jovem de calças largas, camisa preta e mochila nas costas não saiu de sua cabeça.

***

O menino sentou-se ao seu lado no banco do ônibus que os levaria para o shopping. Acanhado pediu licença ao se sentar, colocou o fone de ouvido, mexeu por um momento no MP3 vermelho, selecionou uma música e enrijeceu como se tivesse tomado um choque. Não se movia para nada.

Pedro olhava-o atentamente com o canto dos olhos para que ele não percebesse. Sentiu atração pelo ser estranho ao seu lado. O cheiro dele chegava até Pedro como se fosse um convite para apreciar o mais saboroso dos vinhos em noite fria de luar. Não podia deixar passar aquela oportunidade. Sabia que não. Mas a coragem lhe faltava para qualquer coisa, qualquer assunto que o levasse a se comunicar com alguém estranho. Havia uma trava, uma tramela em seu comportamento que não permitia.

De repente o ônibus freou bruscamente. Ambos foram lançados de encontro com a poltrona da frente. Pedro sentiu o doce gosto do sangue quando bateu com a boca no encosto da poltrona, e a dor o consumiu.

– Boceta! Esbravejou com a mão na boca.

O sangue começou a escorrer pelo canto de seus lábios lambuzando o queixo respingando na camisa e calça. Rapidamente as pessoas se levantaram algumas com calombos na testa, outras reclamando de dores nos braços, outras ainda xingavam o motorista, algumas por sua vez, sabe-se lá o porquê, brigando com o cobrador. Havia algumas, bem poucas delas tentando ajudar quem estava machucado. Na frente do ônibus destruído estava um motoqueiro. Capacete na cabeça, viseira quebrada, moto ralada e amassada, porém vivo. Os passageiros foram auxiliados por quem passava na rua a descer do ônibus para que todos pudessem receber os primeiros socorros.

Assim como o menino que havia se sentado ao seu lado, Pedro foi um dos últimos a ser atendido pelo socorro. Ele parecia que não havia sofrido nenhum ferimento grave, mas observando melhor Pedro pode notar o calombo vermelho em seu rosto. Sorriu para o menino.

- Você precisa ir para o hospital fazer exame. Disse o bombeiro. – Pancadas na cabeça podem ter consequências sérias.

- Eu estou bem, obrigado. Disse ele ao bombeiro.

- Por favor, ligue para seus pais e avise o que aconteceu. Pediu o bombeiro.

- Eu já avisei. Tornou o menino. Eles já se encontram a caminho daqui.

O socorrista deixou-o e foi atender outra pessoa que gritava de dores.

- Essa foi de lascar em? Disse apontando para sua boca e logo em seguida para o rosto do menino. Ele sorriu concordando. “Ele não quer conversa comigo. Também pudera. Acabou de se machucar.” Pensou.

- Se machucou feio. Respondeu o garoto assim que Pedro concluiu o pensamento, para sua surpresa.

- É... Um pouco. Tornou Pedro àquela altura agradecendo a todos os deuses pela resposta.

- Você está bem? Perguntou o garoto levando a mão até o rosto de Pedro. – Parece que cortou bem fundo seus lábios. O que o bombeiro disse?

- Nada que eu já não soubesse. Respondeu Pedro decepcionado com o bombeiro. – Disse para lavar com bastante água e comprar uma pomada cicatrizante me deu um encaminhamento para o hospital. Disse ele e sorriu. – Talvez ele queira que eu vá a seu consultório. Pronto. A isca estava lançada.

O menino riu novamente e nada comentou sobre a piada de Pedro.

- Bem, eu vou indo já que meu passeio no shopping babou, vou pra casa de novo. Respondeu.

- E o lance sobre seus pais estarem vindo te buscar?

- AH, aquilo. Riu o garoto. – Eu não vou para hospital algum.

- Mora aonde? Insistiu Pedro.

- Rita Vieira. E você?

- Na Dez do Parque Central. Respondeu Pedro. Rita Vieira era um bairro novo onde, estava concentrada uma boa parte da população de classe “B” e “C” da cidade e o índice de criminalidade era grande. Porém era no bairro Rita Vieira que havia algumas das melhores festas para ir. Pedro já havia participado de muitas.

- É longe daqui até lá. Disse Pedro. – Vai tomar outra condução?

- Sim, vou até a rodoviária e de lá pego outro carro pra casa. Respondeu o menino. – Já você pode ir andando visto que mora por aqui mesmo. Sorriu, levando a mão no rosto. Pedro percebeu que doía.

- Não quer ir comigo? Perguntou. – Você me acompanha até a porta de casa, e de lá segue para a rodoviária. “Será que ele vai cair?”.

O garoto pensou um pouco mais. Olhou em volta em busca de algo que pudesse justificar alguma coisa, como não encontrou virou-se para Pedro e aceitou o convite.

- Como se chama? Perguntou Pedro.

- Rubens. Respondeu. – E você?

- Pedro. Tornou ele. – Que nome feio você tem. E gargalhou.

- Ofensa? Mas já? Casquinou Rubens. – Em geral as pessoas esperam me conhecer melhor para poder zoar meu nome.

- Claro. Disse Pedro com a mão na boca evitando que voltasse a sangrar. – Não gosto do meu nome também, mas fazer o que? É o único que tenho!

- Pois é! Se pudéssemos escolher, não é? Lamentou Rubens. – Mas como não podemos. E sorriu.

Aquele sorriso era lindo. Pedro gostava dele. Era singelo, natural demais para ser verdade. Sentia que estava sendo bom demais para ser real. Aquele certamente era seu dia.

- Quantos anos você tem? Sondou.

- Tenho um bocado. Sorriu mais uma vez Rubens ainda com a mão no rosto. – E você?

- Tenho um tantinho também. Respondeu Pedro com a mão na boca.

***

Os olhos de Pedro se fecharam quando seu corpo estremeceu e algo de dentro dele ameaçou sair. Segurou a vontade que era quase incontrolável de gozar. Tirou de cima de si aquele lindo corpo branco e deixou que ele deitasse no sofá. Observou em silêncio mais uma vez Rubens que lhe sorria inocente. Era novo ainda. Pedro sabia que um dia ele aprenderia a não se entregar tão facilmente. Mas naquele momento não se importou muito com aquele pensamento. Ele já estava ali deitado no sofá de sua casa nu.

“Que ele aprenda com os outros.”

Então, com volúpia introduziu o pênis de Rubens em sua boca. Era pequeno, fácil de apreciar. Exalava um cheiro adocicado, cheiro de adolescente. Era bom seu gosto. Gosto de juventude. Brincou com a língua enquanto Rubens se contorcia no sofá de prazer.

“Inocente demais.” Pensava enquanto se deliciava com o membro do menino em sua boca, e com uma das mãos acariciava sua barriga, lisa, delicada, magra. Ficou assim por um momento a mais. Então sentiu o corpo de Rubens estremecer. Percebeu que sua respiração tornou-se mais ofegante e o levantar de seu tórax mais intenso. Rubens começou a suar ainda mais e seus gemidos eram mais intensos.

“Vai gozar!” Foi o que pensou. Com grande ímpeto manteve seus lábios na glande de Rubens sugando-a vagarosamente e entre uma sugada e outra descia até a base de seu órgão fazendo com que o mesmo tocasse quase sua garganta, pois era possível. Depois subia novamente até a glande e acariciava-a com seus lábios. Sabia o que aconteceria e sabia que não demoraria a acontecer. Então acelerou os movimentos de vai e vem tão rápidos quanto podia e Rubens não segurou.

O sêmen de Rubens era grosso e branco, e quando tocou os lábios de Pedro o jovem sentou que era quente quanto bom. Possuía um sabor levemente adocicado, mas com um odor horrendo de água sanitária. Pedro deixou que o menino jorrasse por três vezes seu sêmen na sua boca e segurou-o. Assim que o corpo de Rubens parou de estremecer, sua respiração voltou ao normal ele levantou-se e foi ao banheiro.

Cuspiu o esperma do estranho no vaso sanitário, apertou a descarga, lavou a boca e o rosto e retornou para a sala. Quando lá chegou, Rubens ainda permanecia deitado no sofá, e seu pênis ainda estava ereto. Ao ver Pedro, levantou-se e abraçou-o. Beijou seu rosto, seu pescoço, seus ombros e por fim sua boca. Novamente a excitação tomou conta de Pedro e o mesmo colocou Rubens de costa no sofá, beijou suas costas, e com a língua percorreu suas nádegas. Rubens gemia de prazer.

As mãos de Pedro eram ágeis e ele se orgulhava disso. Tão rápido quanto podia ser encontrou no bolso de sua calça que estava no chão uma camisinha e um sache de gel lubrificante. Abriu o pacote de gel com a boca e deixou de lado. Voltou-se para as costas de Rubens. Eram lindas, largas, lisas, sem nenhuma mancha. Havia algumas sardas, mas tornava-a mais bela. Rasgou o pacote da camisinha e colocou-a. Rubens sabia o que aconteceria. Não reagiu, ao contrário, aceitou. O menino assustou-se quando o gel gelado entrou em contato com seu ânus. Pedro percebeu e sorriu.

Ali estavam eles. Há duas semanas haviam sofrido um acidente de trânsito. Durante esse tempo tantas conversas, tantos passeios, tantas tentativas frustradas de se encontrarem a sós, e agora estava ele ali, do jeito que Pedro desejou por aquele longo tempo.

Vagarosamente passou com seu órgão pelas nádegas de Rubens para cima e para baixo fazendo com que seu parceiro arqueasse um pouco mais a coluna deixando assim exposto ainda mais seu ânus. E quando se cansou de brincar introduziu-o. Era quente. Muito quente.

Rubens gemia muito. Sua mão esquerda estava na cintura de Pedro segurando-o como se fosse uma espécie de freio. Quando a dor aumentava, Pedro percebia que ele impedia-o por um momento e então, Pedro parava. Mas era quente, tão quente e bom. Quando a dor aliviava um pouco, Rubens puxava-o para si.

“Vai se lembrar desse dia para o resto de sua vida.” Pensou Pedro.

Durante apenas alguns minutos foi carinhoso e gentil. Depois de um tempo sentiu desejo de ser tão rápido quanto ele mesmo havia sido e os movimentos que antes eram lentos se tornaram ininterruptos, profundos e grosseiros. Rubens gemia, mas Pedro não parava. Era tão bom estar daquele jeito dentro dele. Ele era jovem havia desejo em seus olhos Pedro podia ver, mas também havia... Dor. Então ele parou por um momento, olhou nos olhos de Rubens.

- Continua. Pediu Rubens. – Continua! Repetiu. Pedro atendeu.

Mudou Rubens de posição, introduziu seu pênis novamente no jovem e tão rápido quanto antes ele continuou. Os movimentos de entrar e sair e os vai e vens foram repetidos por tantas vezes que próximo ao final Pedro saiu de dentro de Rubens, tirou a camisinha e introduziu novamente no rapaz. Era diferente. O calor era mais intenso. E por um momento a mais não continuou.

Então se masturbou por alguns segundos e sentiu seu corpo estremecer, suas pernas amoleceram e algo tão bom saía de dentro dele com jorros forte indo cair nas nádegas e no ânus de Rubens. Era bom demais sentir aquela sensação de alivio num misto extenuante de prazer e satisfação. Penetrou Rubens novamente sentindo ainda mais tesão, mas tirou de dentro do menino seu pênis e jogou-se no sofá ao seu lado.

- Preciso de um cigarro. Falou depois de algum tempo calado apenas sentido o corpo de Rubens que estava sobre o seu.

- É, acho que eu vou te acompanhar em um também.

Fumaram e enquanto fumavam Pedro pode perceber o quanto aquele garrote era diferente de todos os outros que ele havia conhecido até aquele momento. Era muito mais presente, seguro e simples. Pedro suspirou e sorriu maliciosamente. Precisava de um bom banho.

 

 

FIM.

 

 

 

Texto: Janderson Gomes

Editor: Jefferson Bispo

 

Se um pensamento em uma noite de inverno

 

O domingo chegou como sempre e o sol que há muitos dias não brilhava despontou no céu como se tivesse estado ali por todo o tempo que o inverno permaneceu. Mas não foi assim; quando o outono se aproximou ele saiu de cena e deixou o céu escuro, com nuvens negras de chuva e frio. Agora, estava de volta e brilhava festeiro.

 

A cidade dormiu preguiçosamente e acordou com um dia matreiro de verão. Era domingo de sol e dia de parque, de encontrar a família, macarronada, vinho, amigos em casa, sorrisos, alegria, futebol na TV e de ir dormir cedo para trabalhar na manhã seguinte. Contudo, antes mesmo era domingo de sol, dia de parque.

 

Você desperta, olha ao seu lado e  nota um estranho agarrado ao seu tronco como se tivesse ele nascido grudado ali, e pensa na estranheza do fato, magistralmente sua consciência a desilude de tal estranheza pois a verdade é que ele não tinha sido de fato estranho, pois na noite anterior, que seu corpo tremia de frio e suas mãos estavam geladas, no momento em que seu sangue parecia que iria congelar, ele permaneceu contigo como se fosse seu cobertor lhe aquecendo, segurando sua mão, acariciando vez em quando seu rosto e olhando para você com aqueles olhos castanhos claro ou escuros, pois você não soube definir pois o frio intenso digladiava com seu corpo. Porém nada muda o fato que você estava gostando dele estar ali.

 

Uma taça de vinho aqui e outra ali, você o convida para que possam caminhar pela rua gelada da estranha cidade, que tem se tornado para você um monstro sub urbano de prédios.  Suas paredes cheias de outdoors, ruas demarcadas por grande quantidade de placas e sinais, fervilhando pessoas de todos os cantos do país e quem sabe mundo. Bancos espalhados pela calçada, nas entradas de condomínios e algumas praças que ainda conservavam os antigos bancos de madeira, árvores tão antigas quanto alguns prédios, cachorros perdidos, lixo espalhados pelas calçadas, ratos...

 

Ele o segue pelas ruas ou você o segue tentando entender o que aquela simples pessoa está querendo lhe mostrar. Gesticula de maneira peculiar, seus dedos estirados para o ar apontam o céu escuro; de repente a torre de alguma estação de TV, outro hora um condomínio ou um prédio qualquer pela rua que estão passando e que ali morou alguém muito importante para a democracia do país.

 

Quem era esse mesmo?  Você pergunta. Ele explica pacientemente sorrindo por pensar que você gosta de ouvi-lo falar e não de sua ignorância.

 

Verbo ad verbum¹ tenta entender o que ele fala, ainda assim tudo o que ele diz de alguma maneira te soa estranho. Pode ser o frio que a consome ou a vontade que tem de devorá-lo, quem sabe esteja ainda entrando em algum jogo sádico e sedutor que ele está fazendo? Às vezes ele para de falar e fixa em você com aquele olhar de bandido, ou de contemplação, e sorri – Ele gosta muito de sorrir. Você nota que ele lhe deseja de maneira real, natural e simples. Em seguida volta a falar sobre as rodas do mundo e sobre anseios que não consegue entender.

 

Por ventura percebe que não é tão ruim estar com ele, pois o tempo passa de maneira peculiar e o Taedium Vitae² que leva, torna-se menos ruim, suportável.

 

Assim as esquinas vão passando cada vez mais depressa; em contraponto o tempo não se afoba a gosto de passar. As pessoas em seus carros ilusoriamente almejam a velocidade da luz afim de chegar a seus destinos. Passam por vocês tão rápidos e tão desembestados para uma noite de inverno. A última noite de inverno.

 

Ser o que ele deseja que você seja, tornar-se algo que nem mesmo você quer, intimamente é sabido por ambos que o tempo é senhor da razão e a emoção não se faz tão relevante quando existe uma redoma em torno de si. Foi assim que você conduziu sua vida, em uma redoma, logo que decidiu terminar seu relacionamento anterior.

 

O pobre diabo de seu ex-namorado, vivia a te encher de carinho, mimos e presentes para que você não necessitasse buscar na rua o que estava ao seu lado. O sexo com era maravilhoso e te fazia bem. O jeito que ele tocava seu corpo e beijava seu pescoço fazendo com que você entrasse em êxtase era diferente todas as vezes que vocês faziam.

 

Ele levava aos melhores restaurantes, viam as melhores peças teatrais - ele adorava teatro - viagens maravilhosas nas praias do norte, nas ilhas do sul, para os Andes, Argentina, Paris e Amsterdã.

 

Já haviam se passados alguns anos, verdadeiramente três anos que estavam juntos e tudo parecia que tinha começado naquele dia.

Ele era sagaz em fazer com que você se apaixonasse por ele todos os dias. E vocês eram apaixonados um pelo outro, sempre foram.

 

Entretanto, você não se contenta com o que lhe dão e não sabe viver sem querer sempre mais. É conhecida do Ser Humano a ganancia sórdida que acaba por destruir ao invés de construir.  Não importa qual seja a situação, você sempre deseja viver e ter muito mais.

 

Procurou em todos os lugares algo que lhe satisfizesse e o traiu. Traiu não por estar traindo alguém que lhe fazia mal, mas porque sentiu desejo de ser desleal, infiel, sem compaixão, desfavorecido de empatia e frívola.

 

O antagonismo de sua história e castigo por sua crueldade é que para o bem de todas as verdades existentes entre ambos e todas as mentiras criadas por você, ainda o amava e post factum³, você passará a amá-lo ainda mais.

Todavia nada muda o fato de que você o traiu.

 

Por escolha própria sem que ele soubesse o verdadeiro motivo, o convida para jantar em um desses locais agradáveis para se ter uma conversa triste de pessoas adultas e não serem incomodadas. No decorrer da refeição em meio a uma taça e outra de vinho branco, acompanhado de salada, você o informa sobre o fim do relacionamento. Lista mil e um problema que ele têm ou que transpareça existir entre vocês e termina – o golpe final, você diz que são de mundos diferentes e que não poderia mais dar certo.

 

Todos os dias assim que acordamos nos é ofertado o retrato da vida - dispomos nossa lousa perante o reflexo do espelho, pois são em nossos olhos que os sentimentos podem ser observados e compreendidos - os olhos dele – no momento em que você dizia toda aquela enxurrada de palavras desconexas – estavam marejados, demonstrando claramente que a magia estava se rompendo.

 

Você se movimenta para sair, mas ele insiste para que concluam ao menos o jantar, lutando para manter o olhar firme e não demonstrar nenhuma tristeza, vocês comem, em seguida ele paga a conta e se vão.

 

No caminho da sua casa; você vai pensando em quantas vezes aquela pessoa que agora nada mais é que um amigo, te fez sorrir naquele trajeto. Quando ele estaciona e sorri, você o beija no rosto e antes de sair olha nos olhos a tristeza e percebe a decepção estampada. Ele chora por você, por sua insensibilidade de não perceber que ele queria muito te fazer feliz e por não entender que ele te ama de qualquer maneira e por mais que tenha demonstrado para todos sem omitir, você se vai. Uma última olhada para ele que engole em seco qualquer que fossem as palavras que te diria e ainda sorri com o gosto amargo de angústia e desilusão e sem pestanejar segue.

 

Não era para ser assim, você tenta se iludir, mas a verdade latente é que foi assim que aconteceu. Jogaste fora o seu amor verdadeiro – amor verdadeiro, essas duas palavras perseguem a humanidade por toda a sua existência, faz com as pessoas o busque durante todos os dias de suas vidas, uns os encontram, outros apenas sonham e jamais saberão como o é, outros encontram e o desmerecem -  por uma aventura de uma tarde de março que não supriu suas expectativas.

 

Ele te encontrou no shopping com aquela cara lavada que tinha -  afinal você não o viu mais então não poderá dizer que ele tem mesmo a cara lavada - com aqueles olhos sedutores e a boca que lhe dava desejo enorme. No fim das contas, ele te leva à um motel barato, paga uma bebida e uma hora depois vocês saem de lá satisfeitos. Ele com a mesma cara lavada, só que dessa vez de cara lavada feliz e você se sentindo-se suja, puída, horrenda, desenganada por si mesma e traidora. Você estava sendo o que pensava em ser, uma traidora.

 

Vocês param para beber alguma coisa enquanto você silenciosamente faz seu desencargo de consciência.

 

Ele te deixa na porta de sua casa, você desce apressada do Ford preto – ao menos era esse o modelo do carro e a cor, que você viu – não guarda a placa dele, pois poderia parecer que você necessitava dele pela segunda vez, o que não era verdade. Você não ousaria encontra-lo nunca mais; primeiro porque ele beijava muito mal; segundo o sexo com ele não podia se comparar com o outro, que lhe amava e que você iria dispensar da sua vida logo mais.

 

Pensamentos que te assolam no meio da madrugada em uma noite de inverno.

 

Agora está andando pelas ruas outra vez, com outro estranho ao seu lado lhe falando coisas que você nunca fez questão de saber e nem fará questão de entender.

 

Pergunta a si mesmo se está ficando velha ou feia demais para estar com alguém assim. Por certo, é sabido que se não for ele não será ninguém. Sim, não será, pois sempre se lembrará dele e de tudo o fez por você. Isso se chama consciência pesada e em seu coração um sentimento desconhecido irá florescer, criar raízes tão profunda que quando chegar seu tempo de morte, ele irá definhar contigo levando-a como iguais. Terá por codinomes, tristeza, desengano, solidão, amargura, mas seu nome será saudade

 

Tal será seu destino devido a uma desafortunada escolha que fez não poder tornar ao passado e resgatar tal amor pois, na semana que se segue o viu entrar em um restaurante semelhante ao que ele te levava, com outra. Ela não era bonita e nitidamente destoava dele. Aparentavam felicidade, sorria muito para ela e a gracejava.

 

Ao vê-los, orgulhosamente se fez de forte, passou por eles e nem ao menos olhou para trás, para ver se ele havia reconhecido. Se tivesses tornado a olhar perceberia que ele estacou na porta do restaurante e te seguiu com o mesmo olhar de sempre. Ora, você saberia dizer que olhar era aquele, apaixonado, desejoso e cheio de saudades como sempre foi. Ele ficou ressabiado de ir atrás – pois você não olhou para ele – afim de saber como estava ou se entrava no restaurante com a outra.

 

Mas é claro, isso você não poderia saber mesmo se desejasse. Você não se virou para olhar, ele saiu e lhe deixou.

 

Como se tivesse sido acordada de um sonho ruim, você volta a si e olha para seu lado; ele está ali ainda, falando, gesticulando e mostrando à você, seu prédio. Educadamente o convida para entrar e ele aceita. Era para não aceitar, pensa. Mas ele aceitou. Vocês sobem as escadas e chegam ao primeiro andar, porque seu prédio não tem elevador. Você procura na bolsa sua chave e entra, ele lhe segue. Se lembra de quantas vezes subiu aquelas escadas com ele e quantas vezes ele lhe carregava no colo para que não cansasse na subida. Ele chegava ao primeiro andar morto de cansado e ainda assim fazia amor com você por várias horas; mesmo depois de um dia intenso de trabalho e de muito estresse; ele realmente te amava do jeito que você era. Sim, do jeito que você era.

 

Agora têm esse estranho na sua casa, que irá dormir contigo para não ficar sozinha já que tem medo de seus próprios fantasmas de sábado à noite, pois era aos sábados que ele chegava cedo para ficar contigo a noite toda e te fazer a pessoa mais feliz do mundo.

 

Vocês se deitam e ele te abraça. Logo pensas, “amanhã será domingo, dia de parque.”

 

A noite transcorre e quando você acorda, percebe que o domingo chegou como sempre e o sol que há muitos dias não brilhava despontou no céu como se tivesse estado ali por todo o tempo que, entretanto talvez você não vá ao parque, pois o sol não está tão bom quanto gostaria que estivesse ao menos para você ele brilha muito fraco, porque sua vida tornou-se um inverno sem fim. Volente nun fit injuria(4).

 

***

 

Notas  - ¹ Palavra por palavra. -  ² O tédio da vida, aborrecimento por de se viver.  - ³ Após o fato. - 4 A quem consente, não se comete injúria.

 

Texto: Janderson Gomes

Editor: Jefferson Bispo

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